Para a compreensão da ascensão da extrema direita
Abril 30, 2024
Quando a expansão económica do pós-guerra terminou e o desemprego aumentou, na década de 1980, a abertura para com os refugiados diminuiu. Tratou-se de uma tendência no contexto mais amplo da política de migrações. Por causa da primeira crise petrolífera, a Europa Ocidental já tinha começado a restringir severamente a migração de mão-de-obra de diversos países das suas vizinhanças mais próximas - a Turquia, o Médio Oriente e o Norte de África. Os EUA, numa manobra paralela, cortaram a migração de mão-de-obra do México, da América Central e das Caraíbas. Não só a mão-de-obra migrante, mas também, com algum atraso, os refugiados passaram a ser encarados como um fardo. Por vezes mais cedo, por vezes mais tarde (dependendo do país), as suas motivações tornaram-se suspeitas. O estado de espírito anti-imigração deu origem a termos como «pseudorrequerentes de asilo», «refugiados económicos» e, mais recentemente, «falso refugiado».
As revoluções liberais de 1989 deram outro ímpeto ao humanitarismo. O ostensivo «triunfo dos direitos humanos» da nova era resultou numa expansão dos direitos dos refugiados. Pela primeira vez, o Ocidente acolheu vítimas de guerra sem examinar o caso de cada indivíduo e foram acrescentados à legislação de asilo novos fundamentos para perseguição, como, por exemplo, a criminalidade dos gangues e a violência com origem em guerras civis. No entanto, este alargamento dos fundamentos reconhecidos como legítimos para a fuga não foi acompanhado por uma disponibilidade correspondente para admitir refugiados de maneira permanente. Vários países europeus, em particular a Alemanha recém-unificada, apertaram as leis de asilo no início da década de 1990. Nos EUA, o número de realojamentos não subiu, de todo, sob a liderança de Bill Clinton (comparado com os números dos seus predecessores) e Barack Obama também não agiu como um salvador das pessoas deslocadas do mundo (um facto que não evitou que Trump expusesse publicamente os democratas como instigadores de fugas). Durante muito tempo, a discrepancia entre o humanitarismo, em abstrato, e a real disponibilidade para admitir refugiados não era evidente, porque o número de refugiados internacionais, à escala mundial, diminuiu de quase quinze milhões, em 1989, para oito milhões e meio (sem contar com as pessoas internamente deslocadas) em 2005. Além disso, quase todos os refugiados de zonas de conflito do Terceiro Mundo ficaram onde estavam; só alguns chegaram à Europa e aos EUA.
Depois, na crise dos refugiados de 2015, os limites do humanitarismo vieram, claramente, à tona. O espírito de prestabilidade que originalmente prevalecia nalguns países europeus deu lugar a um crescente ceticismo, à medida que os estrangeiros recebidos desencadeavam, cada vez mais, o medo e não a compaixão. Isso estava relacionado com um dos motivos imediatos para a fuga; nomeadamente, a disseminação do islamismo radical nas zonas de guerra civil do Médio Oriente. A fuga e o terrorismo eram metidos no mesmo saco, especialmente nas redes sociais. Essa ligação não é inteiramente nova; mesmo em épocas anteriores, houve casos de refugiados que foram suspeitos de ser bolcheviques e de judeus que fugiam do Terceiro Reich e que foram suspeitos de ser agentes alemães. Os estereótipos negativos refletem, também, o medo primitivo face aos estranhos, descrito pelo sociólogo Georg Simmel. Até há pouco tempo, a prosperidade crescente das sociedades ocidentais facilitava a expressão de solidariedade para com os oprimidos. Hoje em dia, por outro lado, o surto de refugiados empobrecidos e de mão-de-obra migrante já desencadeou receios de que a prosperidade nacional possa ter de ser partilhada, pelo menos em certa medida. É bem sabido que a atual ordem mundial assenta numa divisão de poder, riqueza e recursos muito desigual. Quando chegam os mais pobres dos pobres, quer sejam do Médio Oriente ou da América Central, a miséria do mundo é revelada à porta das sociedades ocidentais (caso não tenha já um pé na porta). Essa é, provavelmente, a razão mais profunda por detrás das reações defensivas contra os refugiados e que subjaz às atitudes temerosas e hostis que temos testemunhado ao longo de toda a história da humanidade. Aquilo que é novo é a falta de vergonha com que os nacionalistas de direita têm explorado esses medos, usando-os nas suas campanhas eleitorais.
excerto de Os intrusos, Refugiados na Europa desde 1492, de Phillip Ther (Edições 70)