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Leituras Improváveis

um registo digital

Leituras Improváveis

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O "sentido" do mundo sem sentido

Dezembro 27, 2024

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Independentemente da vaporosidade que envolve a definição de complot, é inegável que é próprio do relato "complotista" propôr uma visão geral do mundo que procura dar-lhe um sentido. Os teorizadores do complot encontram por detrás da aparente complexidade do mundo uma explicação simples, aquela de senhores escondidos que organizam o caos aparente. O "complotismo" permite aos seus adeptos retomar posse dum mundo que lhes escapa, de imputar a outros que não eles a origem dos males do mundo e encontrar respostas simples para questões complexas. No seu livro La condition post-moderne, editado em 1979, o filósofo Jean-François Lyotard anunciava o fim das "grandes metanarrativas modernas". O declínio das ideologias, dos mitos nacionais, religiosos e revolucionários na realidade abriram passagem para estas novas grandes metanarrativas que são as teorias do complot e da conspiração. Na era das redes sociais, o "complotismo" fornece ao mundo um sentido não providenciado, à mesma escala, pelas ideologias, pelas religiões ou pelos mitos.

excerto de Propagande, la manipulation de masse dans le monde contemporain, de David Colon (Belin)

tradução selvagem feita por leitor improvável

 

 

Debt: The First 5000 Years, by David Graeber

Dezembro 20, 2024

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Again, this seems bizarre, since we’re used to assuming that capital and markets are the same thing, but, as the great French historian Fernand Braudel pointed out, in many ways they could equally well be conceived as opposites. While markets are ways of exchanging goods through the medium of money — historically, ways for those with a surplus of grain to acquire candles and vice versa (in economic shorthand, C-M-C', for commodity-money-other commodity) — capitalism is first and foremost the art of using money to get more money (M-C-M’). Normally, the easiest way to do this is by establishing some kind of formal or de facto monopoly. For this reason, capitalists, whether merchant princes, financiers, or industrialists, invariably try to ally theselves with political authorities to limit the freedom of the market, so as to make it easier for them to do so.

excerpt of Debt: The First 5000 Years, by David Graeber

As lentas lições do corpo, de Luís Fernandes

Dezembro 19, 2024

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As técnicas de transformação do corpo, desde as realizadas na depiladora mais modesta às das clínicas de cirurgia estética mais sofisticadas, são os sítios onde se sonham quimeras que mostram a dificuldade de lidarmos com a materialidade crua da nossa condição de animais corpóreos. Foi com certeza a este modo de olharmos por nós abaixo que David Le Breton chamou "o corpo como rascunho", na introdução do seu Adieu au corps: "Nas nossas sociedades da afirmação triunfante da individualidade o corpo é aquele que vai à frente. Daí ser tantas vezes vivido como insatisfatório, já que estamos sempre inacabados quando se trata de nos exibirmos no plano social". Talvez que esta seja uma das características que nos separam dos outros animais: estes são corpo, nós somos corporalidade.

excerto de As lentas lições do corpo, de Luís Fernandes

O efeito boomerang

Dezembro 17, 2024

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A aporia da luta contra as notícias falsas

A era digital multiplicou os instrumentos de desinformação e acelerou o advento de uma era de dúvida generalizada. Contudo, e esse não é o menor dos seus paradoxos, ela também oferece possibilidades imensas à verificação de factos e à contrapropaganda.

[…]

Um estudo recente da empresa BVA tende, por outro lado, a acreditar a ideia que o simples facto de desmentir uma notícia falsa é suficiente para reforçar a sua credibilidade junto de uma proporção não negligenciável do público: uma falsa informação sobre a campanha presidencial francesa de 2017 foi apresentada a dois painéis diferentes, o primeiro tendo sido simplesmente exposto a esta notícia, o segundo beneficiando adicionalmente de um desmentido precisando tratar-se de uma manipulação. Ora, enquanto 22% das pessoas do primeiro painel julgaram-na verdadeira, 17% das pessoas do segundo continuaram a considera-la como tal após terem tido conhecimento do desmentido. O facto, para uma autoridade estabelecida, ou para um media mainstream, de desmentir uma falsa informação tende a reforçar a crença numa parte do público: “Contra as notícias falsas, escreve Jean-Marie Domenach, o desmentido não tem geralmente força, pois é muito difícil desmentir sem “aparentar” defender-se “como um acusado” e acontece que quanto mais o facto é grosseiro, mais efeito possuí e mais difícil é de rectificar.” Vários investigadores em Psicologia Social, entre os quais Charles Kiesler, colocaram em evidência entre sujeitos comprometidos atacados verbalmente pelas suas convicções um “efeito boomerang”, isto é uma modificação da atitude inicial no sentido contrário visado pelo ataque. E quanto mais forte o comprometimento, mais a contrapropaganda é contraprodutiva. É portanto sobre os assuntos novos, sobre os quais o público não tem opinião pré-estabelecida, que os dispositivos de fact-checking podem produzir efeito. Para os outros, só o trabalho colaborativo realizado em transparência, à maneira da Wikipedia, representa talvez a esperança de convencer os mais empedernidos da falsidade de uma informação.

 

excerto de Propagande, la manipulation de masse dans le monde contemporain, de David Colon (Belin)

tradução selvagem feita por leitor improvável a páginas 299

Pequeno-almoço à beira do Apocalipse, de Wladimir Kaminer

Dezembro 12, 2024

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Os media procuravam sensações, algo que pudesse agitar o alemão mediano. Estes russos desnorteados vinham mesmo a calhar. Faziam-me permanentemente propostas para ir com uma equipa de televisão entrevistar os meus compatriotas numa dessas manifestações. Eu recusava com delicadeza. Sentia pena dos participantes nos Russenkorsos*, era óbvio que sofriam de dissonância cognitiva, de percepções incompatíveis suscitadas por um extenuante visionamento da propaganda televisiva estatal russa. Estas pessoas ficavam a saber pelos noticiários russos que o glorioso exército do seu país libertava os ucranianos das caves e das ruínas das casas, onde tinham sido aprisionados pelos nacionalistas ucranianos e os seus comandantes na Europa. Os russos tomavam-se por libertadores, e todos os outros por fascistas mas queriam simultaneamente libertá-los. Libertá-los de quem? E que pensavam de si mesmos os participantes nestas caravanas de automóveis? Eram os libertadores, os fascistas ou as pessoas que queriam ser libertadas? Tinham pintado nos seus carros retratos de Putin, que conduzia uma guerra contra a Europa e a NATO. Viviam na Europa e com a NATO, mas não se sentiam ameaçados por ele. E agora apareciam diariamente nos noticiários. Na televisão russa eram os oprimidos, na televisão alemã eram idiotas perigosos.
 
Milhares e milhares de compatriotas meus acolhiam ucranianos em casa, ajudavam o mais que podiam, trabalhavam como voluntários nas estações de caminho-de-ferro, faziam donativos de dinheiro e recolhiam roupa. Mas não apareciam nas notícias. Pessoas destas não faziam sensação, eram demasiado normais. Em contrapartida, os turbulentos e os baralhados asseguravam diligentemente elevados índices de audiências. A isto se chamava cobertura mediática equilibrada. Lembrava os tempos do início da pandemia, quando, em muitos talk shows, parecia obrigatório apresentar duas opiniões diferentes, e se convidava sempre, para falar junto dos médicos e virologistas, algum desnorteado que negava a existência do vírus, por um lado, e simultaneamente afirmava que Bill Gates se servia dele para se tornar senhor do planeta. E, por mais absurda que parecesse esta opinião, os espectadores ficaram com a impressão de que na sociedade havia duas opiniões equiparáveis sobre o assunto. Nos debates sobre o coronavírus, os programas de televisão reconheceram muito rapidamente o erro e simplesmente deixaram de dar voz a opiniões que eram alvo de crítica generalizada. Mas, nos debates sobre a Ucrânia, os Russenkorsos forneciam imagens das quais ninguém queria prescindir. Eram simplesmente demasiado loucas. Consequentemente, muitas pessoas começaram a pensar que todos os russos da Alemanha estavam a perder o juízo
 
* Russenkorsos - caravanas de automóveis pró-Rússia, conduzidas por russos emigrados na Alemanha
 
excerto de Pequeno-almoço à beira do Apocalipse, de Wladimir Kaminer (Zigurate)
 

Os cínicos não servem para este ofício, de Ryszard Kapuściński

Dezembro 06, 2024

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Pergunta do público: Há dramas da história contemporânea que foram pouco ou quase nada cobertos pelos jornais. Refiro-me, por exemplo, às perseguições de algumas minorias religiosas e étnicas no Irão. Por que é que determinados factos nunca entraram na agenda da imprensa internacional?
 
Ryszard Kapuściński: Porque a imprensa internacional é manipulada. E são várias as razões de tal manipulação. Há, por exemplo, razões de ordem ideológica: de entre as actividades humanas, os meios de comunicação são os mais manipulados, na medida em que são instrumentos para influenciar a opinião pública e podem ser usados de várias formas consoante quem os gere. Existem diversas técnicas de manipulação. Nos jornais, podemos fazer uma manipulação através do que decidimos pôr na primeira página, do título que escolhemos e do espaço que damos a um acontecimento. Há centenas de formas de manipular notícias na imprensa. E outras centenas na rádio e na televisão. E sem dizer mentiras. O problema da rádio e da televisão é que não é necessário mentir: podem limitar-se a não reflectir a verdade. O sistema é muito simples: omitir o assunto. A maior parte dos espectadores da televisão recebem de modo muito passivo o que lhes é dado. Os patrões das cadeias televisivas decidem por eles o que devem pensar. Determinam a lista de coisas em que se deve pensar e o que se deve pensar sobre elas. Não podemos estar à espera de que o telespectador médio realize estudos independentes sobre a situação do mundo, seria impossível, inclusive para os especialistas. O homem médio, que trabalha, regressa a casa cansado e quer simplesmente estar um pouco com a família, só recebe o que chega até ele naqueles cinco minutos de telejornal. Os assuntos principais que dão vida às «notícias do dia» decidem o que pensamos do mundo e o modo como o pensamos.
Trata-se de uma arma fundamental na construção da opinião pública. Se não falarmos de um acontecimento, este simplesmente não existe. Com efeito, para a maior parte das pessoas, «as notícias do dia» são a única forma de conhecer alguma coisa do mundo. Testemunhei pessoalmente essa situação em Moscovo, em 1991, aquando da tentativa de derrubar o primeiro governo de Boris leltsin e de restaurar o comunismo. O acontecimento principal, que determinou tudo, ocorreu em Leningrado, actual São Petersburgo. No entanto, as equipas televisivas estavam todas em Moscovo. O problema das televisões e dos meios de comunicação em geral é que são tão grandes, influentes e importantes que começaram a criar um mundo só deles. Um mundo que tem muito pouco a ver com a realidade. De resto, esses meios de comunicação não estão interessados em reflectir a realidade do mundo, mas sim em competir entre si. Uma estação televisiva, ou um jornal, não pode permitir-se não ter a notícia que o seu concorrente directo tem. De modo que acabam por observar os seus concorrentes em vez de observar a vida real.
Actualmente, os meios de comunicação andam em bandos, quais ovelhas em rebanhos: não podem deslocar-se separadamente. Por isso, lemos e escutamos os mesmos relatos, as mesmas notícias sobre os factos por eles reportados. Vejam a Guerra do Golfo: 200 equipas televisivas concentram-se na mesma zona. Ao mesmo tempo, muitas outras coisas importantes, até mesmo cruciais sucedem-se noutras partes do mundo. Não importa, ninguém falará sobre isso: estão todos no Golfo. Porque o objectivo de todas as grandes cadeias televisivas não é dar uma imagem do mundo, mas sim não serem ultrapassadas pelas suas concorrentes. Se, de repente, há outro grande acontecimento, todos se deslocam nessa nova direcção e ali ficam de atalaia sem tempo para fazer a cobertura de outros lugares. Este é o modo como o homem médio constrói uma ideia da situação mundial.
Obviamente, há revistas, publicações periódicas e, sobretudo, livros que fornecem uma imagem mais equilibrada e completa, mas são para minorias, para pequenos grupos de especialistas. Para o grande público, a informação é apenas o resultado da competição, da luta entre os diversos meios de comunicação. O que é outra história.
O outro tipo de manipulação é a consciente. Hoje, os meios de comunicação só estão dispostos a falar de um acontecimento quando são capazes de explicar as suas causas e dar todas as respostas necessárias. Por exemplo, a crise no Kosovo já dura há oito anos, mas não se fala nela enquanto não se tomar a decisão de começar a resolver o problema. A notícia não existe se não houver uma resposta preparada para as suas causas.
 
excerto de Os cínicos não servem para este ofício, de Ryszard Kapuściński (Relógio d'Água)

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