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Leituras Improváveis

um registo digital

Leituras Improváveis

um registo digital

Storytelling

Maio 28, 2025

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"As pessoas não querem mais informação, escreve Annette Simmons, autora de um dos best-sellers de storytelling. Eles querem crer - em vocês, nos vossos objectivos, nos vossos sucessos, na história que vocês contam. É a fé que faz mover as montanhas e não os factos. Os factos não fazem nascer a fé. A fé precisa duma história para se sustentar - uma história significante que seja credível e que transmita fé em vocês.".

Donde a importância das práticas de autolegitimação e de autovalidação, visto a fonte única da prestação dum guru, é a sua própria pessoa: é ele a fonte das narrativas úteis e dos seus efeitos misteriosos, é nele que se concentram as competências narrativas. Ele é o agente e o mediador, o mensageiro e a mensagem. Ele deve convencer-vos que tudo está em ordem, conforme ao bom senso, ao direito natural. Ele não vos ensina um saber técnico, ele transmite uma sabedoria proverbial, que cultiva o bom senso popular, faz apelo às leis da natureza e convoca uma ordem mítica.

excerto de Storytelling - La machine à fabriquer des histoires et à formater les esprits, de Christian Salmon (éditions la découverte)

tradução selvagem feita por leitor improvável a páginas 70

 

Os jogadores de xadrez

Maio 27, 2025

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Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na Cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.


À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário,
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.


Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Trespassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas...
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo do xadrez.


Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao reflectir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Breve seus olhos calmos
Volviam sua atenta confiança
Ao tabuleiro velho.


Quando o rei de marfim está em perigo,
Que importa a carne e o osso
Das irmãs e das mães e das crianças?
Quando a torre não cobre
A retirada da rainha branca,
O saque pouco importa.
E quando a mão confiada leva o xeque
Ao rei do adversário,
Pouco pesa na alma que lá longe
Estejam morrendo filhos.


Mesmo que, de repente, sobre o muro
Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse
É ainda entregue ao jogo predilecto
Dos grandes indiferentes.


Caiam cidades, sofram povos, cesse
A liberdade e a vida,
Os haveres tranquilos e avitos
Ardem e que se arranquem,
Mas quando a guerra os jogos interrompa,
Esteja o rei sem xeque,
E o de marfim peão mais avançado
Pronto a comprar a torre.


Meus irmãos em amarmos Epicuro
E o entendermos mais
De acordo com nós-próprios que com ele,
Aprendamos na história
Dos calmos jogadores de xadrez
Como passar a vida.


Tudo o que é sério pouco nos importe,
O grave pouco pese,
O natural impulso dos instintos
Que ceda ao inútil gozo
(Sob a sombra tranquila do arvoredo)
De jogar um bom jogo.


O que levamos desta vida inútil
Tanto vale se é
A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
Como se fosse apenas
A memória de um jogo bem jogado
E uma partida ganha
A um jogador melhor.


A glória pesa como um fardo rico,
A fama como a febre,
O amor cansa, porque é a sério e busca,
A ciência nunca encontra,
E a vida passa e dói porque o conhece...
O jogo do xadrez
Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
Pesa, pois não é nada.


Ah! sob as sombras que sem querer nos amam,
Com um púcaro de vinho
Ao lado, e atentos só à inútil faina
Do jogo do xadrez,
Mesmo que o jogo seja apenas sonho
E não haja parceiro,
Imitemos os persas desta história,
E, enquanto lá por fora,
Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida
Chamam por nós, deixemos
Que em vão nos chamem, cada um de nós
Sob as sombras amigas
Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
A sua indiferença.

Casei com um comunista, de Philip Roth

Maio 26, 2025

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– A política é a grande generalizadora – disse-me o Leo – e a literatura a grande particularizadora, e entre ambas não se estabelece apenas uma relação inversa, mas também uma relação antagónica. Para a política a literatura é decadente, balofa, irrelevante, maçadora, opinosa, soturna, algo que não faz sentido e realmente não deveria existir. Porquê? Porque o impulso particularizante é a literatura. Como pode o senhor ser artista e renunciar a este cambiante? Como artista o cambiante é o seu mister. A sua tarefa não é simplificar. Mesmo que opte por escrever com a máxima simplicidade, à Hemingway, a tarefa continua a ser eliminar a cambiante, elucidar a complicação, implicar a contradição. Não fazer desaparecer a contradição, não negar a contradição, mas ver onde, dentro da contradição reside o ser humano atormentado. Permitir o caos, deixá-lo instalar-se. De outra forma está a fazer propaganda, se não a um partido político, a um movimento político, pelo menos à própria vida, à vida tal como ela poderia preferir ser publicitada. Durante os primeiros cinco ou seis anos da Revolução Russa os revolucionários gritavam “Amor livre, o amor será livre!”, mas quando chegaram ao poder não puderam permiti-lo. Sim, o que é o amor livre? O caos. E eles não queriam o caos. Não era para isso que tinham feito aquela gloriosa revolução. Queriam algo de cautelosamente disciplinado, organizado, contido e, se possível, cientificamente previsível. O amor livre conturba a organização. Não por ser ostensivamente a favor ou contra, ou mesmo subtilmente a favor ou contra. Conturba a organização, porque não é geral. A natureza intrínseca do particular é ser particular, e a natureza intrínseca da particularidade é não ser conforme. Generalização do sofrimento: temos o comunismo. Particularização do sofrimento: temos a literatura. Nessa polaridade reside o antagonismo. Manter vivo o particular num mundo simplificador e generalizador, é aí que começa a batalha. Não é preciso escrever para legitimar o comunismo, tal como não é preciso escrever para legitimar o capitalismo. O senhor está fora de ambos. Se é escritor, está tão desligado de um como de outro. Naturalmente vê as diferenças, claro que vê que esta merda é um bocadinho melhor do que a outra merda, ou que a outra merda é um bocadinho melhor do que esta merda. Porventura muito melhor. Mas vê a merda. Não é funcionário do Governo. Não é militante. Não é um crente fervoroso. É alguém que lida com o mundo e com o que acontece no mundo de uma maneira muito diferente. O militante traz uma fé, uma grande crença que mudará o mundo, e o artista traz um produto que não tem lugar nesse mundo. Que é inútil. O artista, o escritor sério, traz ao mundo algo que não se encontrava lá nem mesmo no princípio. Quando Deus fez esta treta em sete dias, as aves, os rios, os seres humanos, não teve dez minutos para a literatura. “Faça-se a literatura. Alguns gostarão dela, outros viverão obcecados por ela, quererão fazê-la…”. Não, não. Ele não disse isso. Se nessa altura tivesse perguntado a Deus: “Façam-se os canalizadores?” “Sim, porque eles vão ter casas a precisar de canalizadores.” “Façam-se os médicos?” “Sim. Porque eles vão ficar doentes e precisar de médicos para lhes receitarem comprimidos.” “A literatura? O que é isso? Para que serve? Onde é que isso encaixa? Por favor, eu estou a criar um universo, não uma universidade. Nada de literatura.”

excerto de Casei com um comunista, de Philip Roth (Dom Quixote)

 

Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business

Maio 19, 2025

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Because the television commercial is the single most voluminous form of public communication in our society, it was inevitable that Americans would accommodate themselves to the philosophy of television commercials. By "accommodate," I mean that we accept them as a normal and plausible form of discourse. By "philosophy," I mean that the television commercial has embedded in it certain assumptions about the nature of communication that run counter to those of other media, especially the printed word. For one thing, the commercial insists on an unprecedented brevity of expression. One may even say, instancy. A sixty-second commercial is prolix; thirty seconds is longer than most; fifteen to twenty seconds is about average. This is a brash and startling structure for communication since, as I remarked earlier, the commercial always addresses itself to the psychological needs of the viewer. Thus it is not merely therapy. It is instant therapy. Indeed, it puts forward a psychological theory of unique axioms: The commercial asks us to believe that all problems are solvable, that they are solvable fast, and that they are solvable fast through the interventions of technology, techniques and chemistry. This is, of course, a preposterous theory about the roots of discontent, and would appear so to anyone hearing or reading it. But the commercial disdains exposition, for that takes time and invites argument. It is a very bad commercial indeed that engages the viewer in wondering about the validity of the point being made. That is why most commercials use the literary device of the pseudo-parable as a means of doing their work. Such "parables" as The Ring Around the Collar, The Lost Traveler's Checks and The Phone Call from the Son Far Away not only have irrefutable emotional power but, like Biblical parables, are unambiguously didactic. The television commercial is about products only in the sense that the story of Jonah is about the anatomy of whales, which is to say, it isn't. Which is to say further, it is about how one ought to live one's life. Moreover, commercials have the advantage of vivid visual symbols through which we may easily learn the lessons being taught. Among those lessons are that short and simple messages are preferable to long and complex ones; that drama is to be preferred over exposition; that being sold solutions is better than being confronted with questions about problems. Such beliefs would naturally have implications for our orientation to political discourse; that is to say, we may begin to accept as normal certain assumptions about the political domain that either derive from or are amplified by the television commercial. For example, a person who has seen one million television commercials might well believe that all political problems have fast solutions through simple measures - or ought to. Or that complex language is not to be trusted, and that all problems lend themselves to theatrical expression. Or that argument is in bad taste, and leads only to an intolerable uncertainty. Such a person may also come to believe that it is not necessary to draw any line between politics and other forms of social life. Just as a television commercial will use an athlete, an actor, a musician, a novelist, a scientist or a countess to speak for the virtues of a product in no way within their domain of expertise, television also frees politicians from the limited field of their own expertise. Political figures may show up anywhere, at any time, doing anything, without being thought odd, presumptuous, or in any way out of place. Which is to say, they have become assimilated into the general television culture as celebrities.

livro escrito por Neil Postman disponível aqui

 

 

Pastoral Americana, de Philip Roth

Maio 16, 2025

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Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de caterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário. Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário. Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E, contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire um significado lúdico; estaremos todos tão mal preparados para conseguirmos ver as acções intímas e os objectivos secretos de cada um de nós? Será que devemos todos fecharmo-nos e mantermo-nos enclausurados como fazem os escritores solitários, numa cela à prova de som, evocando as pessoas através das palavras e, depois, afirmar que essas evocações estão mais próximas da realidade do que as pessoas reais que destroçamos com a nossa ignorância, dia após dia? Mantém-se o facto de que o compreender as pessoas não tem nada a ver com a vida. O não as compreender é que é a vida, não compreender as pessoas, não as compreender, não as compreender, e depois, depois de muito repensar, voltar a não as compreender. É assim que sabemos que estamos vivos: não compreendemos. Talvez o melhor fosse não ligar ao facto de nos enganarmos ou não sobre as pessoas e deixar andar. Se conseguirem fazer isso - estão com sorte.
 
excerto de Pastoral Americana, de Philip Roth (Leya)

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