A Civilização do Peixe-Vermelho, de Bruno Patino
Novembro 05, 2024
Colapso?
O capitalismo da atenção, por mais intrusivo e desesperante que seja, não é estável. A máquina ganhou embalo e começa a produzir sinais do seu próprio colapso. A fábrica de realidades individuais gerou um império da falsidade.Humanos falsos, estatísticas falsas, contas falsas, sites falsos, conteúdos falsos conjugam-se para obter dólares (ou euros) verdadeiros. Certamente, há os robôs, fórmulas que geram automaticamente conexões nas redes sociais ou que criam acessos falsos a sites-fantasmas, a fim de fazer os publicitários acreditarem na visualização dos seus anúncios. A actividade destes robôs ganhou proporções consideráveis. A maior parte dos estudos estima que a actividade humana constitui menos de 60 por cento da actividade total na Internet. O resto, ou seja, mais de 40 por cento, é uma atenção fictícia, produzida por robôs ou por humanos que têm essa tarefa. Porque a economia da atenção tem o seu Lumpenproletariat. As «fábricas de cliques» multiplicam-se por todo o mundo, nomeadamente na China. Nelas costumam trabalhar jovens, cada um «responsável» por várias dezenas de telemóveis. A sua função: conectar cada telefone ao mesmo vídeo, com o intuito de aumentar o número de visualizações.A falsidade assim criada fragiliza a economia da atenção, ao mesmo tempo que se constitui como uma consequência dela. Só se pode vender duravelmente aquilo que existe. A actividade artificial ameaça, a prazo, todo o modelo. A incapacidade do Facebook de produzir números de audiência fiáveis não tem que ver com desonestidade, mas sim com submersão: em 2018, a plataforma reconheceu que a sua avaliação do tempo de visualização dos videos podia, nalguns casos, estar "sobreavaliada em 60 a 80 por cento". O YouTube - que pertence à Google - criou, por seu turno, ferramentas tecnológicas que se destinam a detectar a falsa audiência nascida dos robôs que se fazem passar por humanos. Robôs contra robôs.Os especialistas da Internet chamaram a isto inversão. O momento em que a tecnologia, superada pela audiência e pelos conteúdos elaborados por robôs, acaba por considerar falsa aquela que é oriunda dos seres humanos, por se ter tornado minoritária e, portanto, «desviante» relativamente ao comportamento maioritário, que é o das máquinas. Para o jornalista Max Read, um dos melhores analistas da Internet (o seu blogue, Life in Pixels, é incontornável), esse momento chegou. Esteja ou não correcta, tal constatação mostra uma saída possível: este modelo de predação humana já não é economicamente sustentável.
excerto de A Civilização do Peixe-Vermelho, de Bruno Patino (Gradiva)