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Leituras Improváveis

um registo digital

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Educação ou Barbárie, de Guilherme d'Oliveira Martins

Novembro 08, 2024

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O século XX, ao longo do qual se tem afirmado uma confluência inquietante entre a procura da felicidade e a consumação da barbárie, foi talvez demasiado triunfalista sobre as possibilidades da humanidade. O resultado foi bem evidente. O "excesso de sentido", o primado do fio vermelho da história, deu origem aos episódios sangrentos que deixaram a humanidade exangue, quando os mais optimistas anunciavam não apenas o bem-estar ao virar da esquina, mas também a reconciliação definitiva das sociedades - num "fim da história", em que a "ideia" de Hegel foi sendo interpretada de formas diversas.

E agora? Não se pense que estamos vacinados contra a barbárie pelas guerras e pelas tragédias do século XX. Não estamos. Há novos big brothers, que Orwell talvez não tenha previsto, que espreitam donde menos se espera. Sarajevo constitui um sério alerta. Na Europa há sinais de fragmentação social, bem evidentes na Itália do Norte, mas também nos países de forte imigração, onde os conflitos sociais têm intensificado fenómenos de intolerância.

A esta tendência, que põe em causa a concepção de "contrato social" em vigor no último meio século nas sociedades ocidentais, acrescem os novos problemas da "sociedade da informação" - que obrigam a repensar algumas bases do Estado de direito, como a legalidade e a legitimidade. O culto do efémero junta-se ao risco da tirania instantânea do número através do que podemos designar como caricatura electrónica da política e da sociedade. Esta transforma-se num reality-show - no qual a manipulação e a exploração de sentimentos primários se tornam métodos comummente aceites e praticados. Pluralismo e "relativismo ético" aparecem confundidos, convicção e opinião surgem como sinónimos. E, assim, a sociedade passa a ter dificuldade em assumir a diversidade e o espírito crítico, preferindo um "pensamento débil", de fronteiras ténues e valores difusos. Em vez de se tornar factor de enriquecimento, a diversidade é substituída pela anomia. Deste modo, o risco da "tirania do número"  leva a esquecer que a política e a cidadania exigem princípios, regras, equilíbrio de poderes e influências, freios e contrapesos e tempo - e que a legitimidade obriga a que haja instâncias de mediação, aptas a representar as pessoas, os cidadãos e as comunidades, a regular os conflitos, a garantir a coesão social e a assegurar a salvaguarda do pluralismo, como condição de liberdade e de autonomia. Usando a expressão de Tocqueville, trata-se, afinal, de afirmar "uma sociedade que age por si própria e sobre si própria".

excerto de Educação ou Barbárie, de Guilherme d'Oliveira Martins (Gradiva, 1998)

 

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