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Leituras Improváveis

"ignorance is bliss"

Leituras Improváveis

"ignorance is bliss"

O africano da Gronelândia, de Tété-Michel Kpomassie

Setembro 13, 2024

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Por conseguinte, Cécilia é a mulher sobressalente de Jørgensen, enquanto a sua esposa, Augustina, é a de Hans. Jørgensen é o melhor amigo de Hans. A troca de mulheres, portanto, só é feita entre amigos, obedece a regras precisas e liga os dois homens por um laço indissolúvel. Se essa prática lhes traz um prazer novo, também comporta deveres imperiosos, e não tem nada a ver com a partilha efémera que os jovens não casados fazem das namoradas

À família de Jørgensen, assim como à de Hans, nunca faltará comida se um deles voltar da caça de mãos a abanar ou se adoecer desde que o outro mate uma foca.

Quer isto dizer que foram razões de sobrevivência que levaram, no Grande Norte, os homens a instaurar esse estranho costume que é a troca de mulheres. À luz dessas sérias razões, certos comportamentos e detalhes que semanas antes me haviam parecido desprovidos de sentido agora surgem-me sob uma nova perspectiva. Por exemplo, recordo-me de Cécilia protestar vivamente quando Jørgensen me dizia que eu e Augustina, sua mulher, seríamos amigos íntimos. Um terceiro homem (sobretudo um estrangeiro) que fosse admitido nessa união formada pelos dois casais poderia pôr em causa, ou até destruir, a aliança que protegia uma das esposas no caso de o marido vir a falecer, tendo em conta que as mulheres não caçam. Do mesmo modo, Thue, que, por assim dizer, não tem mulher, não pode contrair na aldeia essa amizade sólida e sagrada entre dois homens que só se edifica através das companheiras e que estabelece entre as duas familias as bases de uma entreajuda infalível.

Porém, se a troca de mulheres é uma questão que só diz respeito aos respectivos casais, porquê expô-la aos olhos de todos e organizar um baile antes ou no momento em que ela se concretiza? Certamente, é para não esconderem nada da aldeia. Hans guarda numa caixa as suas botas de cores diferentes, cujo significado talvez se explique pela troca em si, e diz-me: «Assentam-me como uma luva, mas por vezes são duras de usar!»

excerto de O africano da Gronelândia, de Tété-Michel Kpomassie (Tinta-da-China)

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