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Leituras Improváveis

um registo digital

Leituras Improváveis

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Construir o Inimigo, de Umberto Eco

Junho 09, 2025

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Parece que não se pode passar sem o inimigo. A figura do inimigo não pode ser abolida dos processos civilazicionais. A necessidade é congénita mesmo do homem brando e amigo da paz. Simplesmente, nestes casos, a imagem do inimigo é transferida de um objecto humano para uma força natural ou social, que de algum modo nos ameaça, e que tem de ser vencida, seja ela a exploração capitalista, a poluição ambiental, a fome do Terceiro Mundo. Mas, mesmo que estes sejam casos "virtuosos", como nos recorda Brecht, também o ódio à injustiça desfigura o rosto.

A ética, portanto, é impotente face à necessidade ancestral de ter inimigos? Direi que a instância ética se sobrepõe, não quando finge que não existem inimigos, mas quando procuramos compreendê-los, colocar-nos no seu lugar. Não existe em Ésquilo um rancor contra os persas, cuja tragédia ele vive entre eles e do ponto de vista deles. César trata os gauleses com muito respeito, no máximo, apresenta-os um pouco choramingas de todas as vezes que se rendem, e Tácito admira os germanos, achando-os mesmo de boa compleição, limitando-se a lamentar a sua imundície e a sua renitência aos trabalhos fatigantes, porque não suportam o calor e a sede.

Procurar perceber outra coisa significa destruir-lhe o clichê, sem lhe negar ou lhe apagar a alteridade.

Mas sejamos realistas. Estas formas de compreensão do inimigo são próprias dos poetas, dos santos ou dos traidores. As nossas pulsões mais profundas são bem de outra ordem. Em 1968, foi publicado na América um Report from Iron Moutain on the possibility and desirability of peace, de um autor anónimo (alguém o terá mesmo atribuído a Galbraith). Tratava-se claramente de um panfleto contra a guerra, ou, pelo menos, de um lamento pessimista sobre a sua inevitabilidade. Porém, uma vez que para fazer a guerra é necessário um inimigo com que guerrear, o inelutável da guerra corresponde ao inelutável da caracterização e da construção do inimigo. Assim, neste panfleto, observa-se com extrema seriedade que a reconversão de toda a sociedade americana a uma situação de paz seria desastrosa, porque só a guerra constitui o fundamento do desenvolvimento harmónico das sociedades humanas. O seu esbanjamento organizado constitui uma válvula que regula o bom andamento da sociedade. Ela resolve o problema das provisões; é um volante. A guerra permite a uma comunidade reconhecer-se como "nação"; sem a contraposição da guerra, um governo não poderia sequer estabelecer a esfera da sua própria legitimidade; só a guerra assegura o equilíbrio entre as classes e permite acomodar e tirar proveito dos elementos anti-sociais. A paz produz instabilidade e delinquência juvenil; a guerra canaliza, do modo mais justo, todas as forças tumultuosas, dando-lhe statu. O exército é a última esperança dos deserdados e dos desadaptados; só o sistema de guerra, com o seu poder de vida e de morte, dispõe a sociedade a pagar um preço de sangue também por outras instituições que não dependem dela, como o desenvolvimento do automobilismo. Ecologicamente, a guerra fornece uma válvula de escape para as vidas em excesso; e se, até ao fim do século XIX, nela morriam apenas os membros mais válidos do corpo social (os guerreiros), enquanto se salvavam os incapazes, os sistemas actuais permitiram superar também este problema com os bombardeamentos sobre os centros civis. O bombardeamento limita o aumento da população melhor do que o infanticídio ritual, a castidade religiosa, a mutilação forçada ou o uso extensivo da pena de morte... Finalmente, é a guerra que permite o desenvolvimento de uma arte verdadeiramente "humanística", em que predominam as situações de conflito.

Se é assim, a construção do inimigo deve ser intensiva e constante.

 

excerto de Construir o Inimigo, de Umberto Eco (Gradiva)

versão integral em italiano

 

 

As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg

Fevereiro 14, 2025

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Há uma certa uniformidade monótona nos destinos dos homens. As nossas existências desenvolvem-se segundo leis antigas e imutáveis, segundo um seu ritmo uniforme e antigo. Os sonhos nunca se tornam verdade, e no momento em que os vemos despedaçados compreendemos de súbito que as nossas maiores alegrias da nossa vida estão fora da realidade. A nossa sorte corre nesta alternância de esperanças e de nostalgias.

O meu marido morreu em Roma na Prisão de Regina Coeli, poucos meses depois de termos deixado a aldeia. Perante o horror da morte solitária, perante as alternativas cheias de angústia que precederam a sua morte, pergunto-me se isto nos aconteceu nós, a nós que compravamos laranjas na loja de Giro e passeávamos na neve. Então eu tinha fé num futuro fácil e alegre, cheio de desejos satisfeitos, de experiências e de iniciativas comuns. Mas esse tempo era o melhor da minha vida, e só agora que me fugiu para sempre, só agora o sei.

excerto de As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg (Relógio d'Água)

O coração pensante, de David Grossman

Janeiro 03, 2025

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É possível que conheçam a anedota sobre aquele cidadão americano que, durante a guerra do Vietname, se postava todas as sextas-feiras durante várias horas em frente da Casa Branca com um cartaz de protesto contra a guerra. Um dia um jornalista dirigiu-se-lhe e perguntou-lhe com um sorriso trocista: "Você pensa realmente que estando aqui vai mudar o mundo?". "Mudar o mundo?" disse o homem com surpresa. "Não tenho a menor intenção de mudar o mundo. Apenas quero certificar-me que o mundo não me muda".

excerto de O coração pensante, de David Grossman (Dom Quixote)

O livro das despedidas, de Velibor Čolić

Dezembro 02, 2024

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Na catedral de Šibenik, compro um rosário fosforescente e um livrinho intitulado A vida dos Santos para Principiantes.

Pela última vez, tento agarrar-me a essa fábula. Sei que é mais fácil ser crente do que ser ateu. O crente tem fórmulas pré-fabricadas, tem respostas, e a promessa do paraíso. Os dez mandamentos e os sete pecados capitais. O céu e a terra e o vale de lágrimas. Para o crente, está tudo bem definido e bem explicado. Ao passo que o ateu tem que contar com a filosofia e com a literatura, com a arte e com a biologia. Com o jazz e com a pintura. O não-crente tem que procurar tudo sozinho. É excitante, e ao mesmo tempo cansativo.

Caminho pelas ruas imaginando-me um apóstolo e interrogo Deus. Exploro regularmente as palmas das minhas mãos e acabo por encontrar nelas estigmas, detenho-me perante as velhas pedras e perante os pássaros, perante o céu e a terra... Perante a Virgem e o seu filho. Em vão. Não tenho em mim uma pitada de espiritualidade. Um catolicismo mais ligeiro, isso é coisa que não existe. Ou talvez sim, mas então há que procurá-lo entre os ortodoxos. Correctamente lida, a Bíblia é o mais poderoso libelo a favor do ateísmo jamais escrito.

Tenho para mim que nada foi posto sem razão nesta terra. Só preciso de descobrir porque é que estou aqui.

 

excerto de O livro das despedidas, de Velibor Čolić (Gradiva)

Elogio da lentidão, de Lamberto Maffei

Julho 05, 2024

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Giacomo Leopardi escrevia no Zibaldone que "a paciência é a mais heróica das virtudes porque não tem qualquer aparência heróica".

A correria da vida moderna, o pensamento rápido, não têm, por natureza, paciência, qualidade graças à qual sabemos esperar antes de julgar e agir, contraposta à decisão rápida do fazer, que parece ter horror ao tempo que passa esquecendo-se de que este tem um percurso independente de nós. O progresso tecnológico e a sua difusão capilar produziram, para além de profundas mudanças sociais, uma verdadeira revolução do pensamento, ou seja, uma acelaração do tempo.

excerto de Elogio da lentidão, de Lamberto Maffei

 

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