Pequeno-almoço à beira do Apocalipse, de Wladimir Kaminer
Dezembro 12, 2024
Os media procuravam sensações, algo que pudesse agitar o alemão mediano. Estes russos desnorteados vinham mesmo a calhar. Faziam-me permanentemente propostas para ir com uma equipa de televisão entrevistar os meus compatriotas numa dessas manifestações. Eu recusava com delicadeza. Sentia pena dos participantes nos Russenkorsos*, era óbvio que sofriam de dissonância cognitiva, de percepções incompatíveis suscitadas por um extenuante visionamento da propaganda televisiva estatal russa. Estas pessoas ficavam a saber pelos noticiários russos que o glorioso exército do seu país libertava os ucranianos das caves e das ruínas das casas, onde tinham sido aprisionados pelos nacionalistas ucranianos e os seus comandantes na Europa. Os russos tomavam-se por libertadores, e todos os outros por fascistas mas queriam simultaneamente libertá-los. Libertá-los de quem? E que pensavam de si mesmos os participantes nestas caravanas de automóveis? Eram os libertadores, os fascistas ou as pessoas que queriam ser libertadas? Tinham pintado nos seus carros retratos de Putin, que conduzia uma guerra contra a Europa e a NATO. Viviam na Europa e com a NATO, mas não se sentiam ameaçados por ele. E agora apareciam diariamente nos noticiários. Na televisão russa eram os oprimidos, na televisão alemã eram idiotas perigosos.Milhares e milhares de compatriotas meus acolhiam ucranianos em casa, ajudavam o mais que podiam, trabalhavam como voluntários nas estações de caminho-de-ferro, faziam donativos de dinheiro e recolhiam roupa. Mas não apareciam nas notícias. Pessoas destas não faziam sensação, eram demasiado normais. Em contrapartida, os turbulentos e os baralhados asseguravam diligentemente elevados índices de audiências. A isto se chamava cobertura mediática equilibrada. Lembrava os tempos do início da pandemia, quando, em muitos talk shows, parecia obrigatório apresentar duas opiniões diferentes, e se convidava sempre, para falar junto dos médicos e virologistas, algum desnorteado que negava a existência do vírus, por um lado, e simultaneamente afirmava que Bill Gates se servia dele para se tornar senhor do planeta. E, por mais absurda que parecesse esta opinião, os espectadores ficaram com a impressão de que na sociedade havia duas opiniões equiparáveis sobre o assunto. Nos debates sobre o coronavírus, os programas de televisão reconheceram muito rapidamente o erro e simplesmente deixaram de dar voz a opiniões que eram alvo de crítica generalizada. Mas, nos debates sobre a Ucrânia, os Russenkorsos forneciam imagens das quais ninguém queria prescindir. Eram simplesmente demasiado loucas. Consequentemente, muitas pessoas começaram a pensar que todos os russos da Alemanha estavam a perder o juízo* Russenkorsos - caravanas de automóveis pró-Rússia, conduzidas por russos emigrados na Alemanha